segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Dispersão

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.

...

Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho, erro-
Não me acho no que projecto.

...

(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que não sonhei!...)

...

Perdi a morte e a vida,
E louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida,
Eu sigo-a mas permaneço...

...

Paris, Maio de 1913
Mário de Sá-Carneiro (n. 19 Mai 1890 m. 26 Abr 1916)

in Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa
de Eugénio de Andrade (3ª. Edição)
Campo das Letras

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