quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sobre o abraço.


Ana Jácomo e seus textos fantásticos!!!

'O pai pega a menina no colo e os dois se abraçam. Coisa bem bolada essa dos braços se encaixarem. Uma possibilidade tão perfeita que parece que já foram imaginados também com esse propósito. Mas o melhor do abraço não é a ideia dos braços facilitarem o encontro dos corpos. O melhor do abraço é a sutileza, a mística, a poesia. O segredo de literalmente aproximar um coração do outro para conversarem no silêncio que dá descanso à palavra. O silêncio onde tudo é dito sem que nenhuma letra precise se juntar à outra. O melhor do abraço é o charme de fazer com que a eternidade caiba em segundos. A mágica de possibilitar que duas pessoas visitem o céu no mesmo instante. 


A menina e o pai se abraçam. Os olhos se tornam surdos para qualquer registro que esteja fora do ambiente construído. Talvez seja por isso que costumamos fechar os olhos quando abraçamos: para abri-los para dentro. Quando inclui o sentimento, o abraço é um portal que dá acesso às regiões mais arborizadas do coração da gente. Lá onde cantam passarinhos. Lá onde voam borboletas. Lá onde se respira grande sem ter a alma contraída. Lá onde experimentamos o amor ensolarado, por mais nuvens encharcadas de medo que também existam em nós. 



A menina abraça o pai e repousa o rosto em seu ombro. Nada nela parece desejar retê-lo. Nada nela parece querer que aquele encontro dure mais do que o tempo que puder durar. Ela parece saber que o abraço não precisa ser demorado para ser longo. Se plenamente sentido, o seu efeito é duradouro. A energia que produz é capaz de circular por tempo indefinido nas vidas que o experimentam. E, depois, pode ser acionada a qualquer momento no lugar da memória onde são guardadas as belezas que não perdem o frescor. 



A menina adormece abraçada ao pai. Ele se movimenta vagarosamente de um lado para o outro, sob o ritmo de uma música que somente ele ouve e que ela deve sentir em algum lugar do seu sonho. Nem todos os abraços se transformam em sono e isso é tão verdadeiro quanto a constatação de que todos os genuínos oferecem repouso. Armam redes na alma da gente, onde as emoções se deitam e balançam aconchegadas. Não há lugar algum para onde ir enquanto acontecem. Apenas ficar ali, dentro deles, e dividir esse conforto. 



Adormecida no abraço do pai, a menina o envolve com seus braços, dois pequenos laços de fita. O abraço é também isso: um presente que duas vidas oferecem uma a outra e desembrulham juntas.' (Ana Jácomo) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Fala aí vai!?